segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A oração do Pai Nosso

INTRODUÇÃO
D. Martyn Lloyd Jones em seu livro: “Estudos no Sermão do Monte” afirma que encontramos no capítulo 6 do livro de Mateus “uma exposição feita por nosso Senhor acerca da questão inteira da piedade cristã”. A esmola - nossa caridade em favor do próximo necessitado; a oração e nosso relacionamento com Deus e o jejum. Jesus parece assim nos alertar acerca da não publicidade das disciplinas espirituais: “Cuidado para não praticardes boas obras diante dos homens a fim de serdes vistos por eles; do contrário, não tereis recompensa de vosso Pai, que está no céu.” Eugene Peterson em sua paráfrase registra o versículo acima, da seguinte maneira: “Quando fizerem o bem, tenham cuidado para que seu gesto não vire peça de teatro. Pode até ser um bom espetáculo, mas Deus não vai aplaudir”. Essa é a contramão do farisaísmo que faz de sua piedade um marketing pessoal religioso. Seu objetivo é ser reconhecido pelos homens como exemplo, padrão de espiritualidade. “Em verdade vos digo que eles já receberam sua recompensa” (6.2). Deus não vai aplaudir!
“Cada novo ensinamento sobre a espiritualidade e a devoção focaliza, não o ato em si mesmo, ou a repercussão que nossos atos têm sobre as pessoas, mas a maneira como o Pai percebe tudo o que somos e fazemos [...] O discípulo não deve fazer publicidade em torno de sua espiritualidade nem superestimar méritos ou métodos”. [Carlos Queiroz].
Os evangelhos me convenceram que a espiritualidade que Jesus vivia e deixou como exemplo para seus seguidores estava firmada no amor ao próximo, no relacionamento com Deus e na discrição. Isso mesmo, Jesus era extremamente discreto: “Não gritará nem clamará, nem erguerá a voz nas ruas”. (Isaías 42.2; Mateus 12.19).
Assim, o que proponho nesse breve estudo, diz respeito não somente quanto a discrição da oração, como também e principalmente ao seu conteúdo. (Já que estamos nos aprofundando no Sermão da Montanha).
A oração do Pai Nosso, é a oração mais conhecida e recitada pela religião cristã. Mateus a situa no discurso de Jesus no Sermão da Montanha. Em tese, o Sermão da Montanha ensina o homem como ser gente; como se relacionar enquanto ser humano, com o seu próximo e com Deus. Lucas, porém a situa no caminho de Jesus para Jerusalém. Interessante é que antes de registrá-la, Lucas faz a seguinte observação:
“E aconteceu que, estando Ele a orar num certo lugar, quando acabou, lhe disse um dos seus discípulos: Senhor, ensina-nos a orar, como também João ensinou aos seus discípulos” (Lucas 11.1)
Afinal de contas, o que havia nas palavras de Jesus – na oração do Pai Nosso – que suscitou nos seus discípulos o desejo de orar como o seu Rabi? Todavia Mateus não deixa passar despercebido do leitor algumas correções que Jesus faz, acerca da postura de seus discípulos na oração e faz algumas colocações consideráveis:

ORAÇÃO, HIPOCRISIA E PUBLICIDADE
“E, quando orardes, não sejais como os hipócritas; pois gostam de orar em pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam sua recompensa”. (Mateus 6.5).
“E quando forem a presença de Deus não façam disso uma produção teatral. Essa gente que faz da oração um show está buscando o estrelato! Vocês acham que Deus está no camarote, apreciando o espetáculo?” (A Mensagem)
John Stott afirma que “a hipocrisia não o único pecado a ser evitado na oração; as “vãs repetições”, ou a falta de significado, a oração mecânica é outra”. A intenção de Jesus, nas palavras do Pastor Carlos Queiroz é: “desmascarar a futilidade do uso publicitário da oração para o prestígio pessoal”. “... (Eles) gostam de orar em pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens”.

A INTIMIDADE DA ORAÇÃO
“Mas tu, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê o que é secreto, te recompensará”. (Mateus 6.6)
A palavra no grego utilizada para a tradução de “quarto” é “Tameion” trazendo melhor o sentido da tradução para “depósito subterrâneo”, justamente aquele cômodo da casa onde colocamos nossas quiquilharias ou algum tesouro escondido, sendo um lugar de acesso íntimo, justamente esse lugar onde levamos nosso impostor à presença de Jesus, sem máscaras nem rodeios. Ali, diante de Jesus, estamos completamente despidos de nossas falsas onipotências. A oração de Davi em Salmo 51, é um desses momentos onde descemos ao porão da nossa alma e nos encontramos completamente despidos diante do Pai. “Podemos orar no quarto ou fora dele, ajoelhados ou não, rosto em terra, com lágrimas ou sem lágrimas. Seja este um lugar solitário ou uma noite silenciosa, o importante e significativo na oração é manter uma relação íntima de total apreciação pelo Pai. Orar  ‘no ‘tameion’ é recolher-se aos sentidos não cognitivos, não decodificáveis, usufruídos e fluídos no silêncio do lugar secreto”.
           
ORAÇÕES MECANIZADAS
“E, quando orardes, não useis de repetições inúteis, a exemplo dos gentios; pois pensam que serão ouvidos pelo muito falar”. (Mateus 6.7)
O que Jesus está querendo dizer aos seus discípulos é que não é o repetir as palavras que farão com que Deus atenda a nossa oração, como se tivéssemos o método correto e mais eficaz para chamar a atenção de Deus à nossa oração. A pretensão de achar que Deus pode ser manipulado pela nossa oração é a tentação do fiel idólatra, que age como se pela oração tivéssemos controle sobre o agir de Deus. Se “a oração move a mão de Deus” então Deus não passa de uma marionete na mão do homem e, tal qual como um ídolo, Ele é desprovido de inteligência, vontade e iniciativa. Permita-me ser mais claro e objetivo: Oração não move a mão de Deus! Orar “em nome de Jesus” também não é um “carimbo” que oficializa uma petição, “com certidão passada em cartório do céu e assinada embaixo: Deus. E com firma reconhecida!”. Orar “em nome de Jesus” não é o “abracadabra” da oração. Quando nos relacionamos com o Deus vivo, desta forma, estamos diante de um ídolo criado por nosso próprio desejo de ter uma divindade que esteja ao nosso serviço e atenda a nosso favor. Orar “em nome de Jesus Cristo” significa dizer que ele pôs o seu nome em risco para os propósitos da nossa oração e que muitas vezes colocamos a disposição dos nossos desejos egóicos mais intrínsecos. “Jesus (também) não pretende ensinar uma oração a ser meramente reproduzida na superficialidade litúrgica. Nem uma forma que, somente decorada e reproduzida, traga efeitos mágicos à vida dos seus seguidores”. A oração mecanizada torna-se assim, inútil. Nas “vãs repetições” o coração e a mente não estão em sintonia (soam como palavras ao vento), quando na verdade esse é o desejo de Jesus, que envolvamos nosso coração e nossa mente na oração. Recentemente, tive a oportunidade de visitar a cidade de Natividade/RJ, em um pequeno sítio onde casais católicos estavam sendo ministrados por um padre local. Enquanto aguardava a família da minha esposa em sua visita, observei um grupo de jovens que se ajuntava para a oração da tarde. Interessado na expressão de fé daquele grupo e no fenômeno religioso como um todo, me aproximei com bastante discrição. Após orar o “Pai Nosso” ipsis litteris, recitaram “Ave Maria” no mínimo três vezes, se não me engano. Interessante, pois me lembrei desse estudo e sobre esse versículo – particularmente – que não saía da minha cabeça. A minha pergunta era: “Como será que eles entendem Mateus 6.7?”. A percepção que eu tive era de que o mérito de alcançar “a benção recebida” estava justamente na repetição mecanizada da oração e não na graça e nos méritos de Cristo. A repetição, assim, não passava de uma fórmula mágica que “torcia” o braço de Deus em favor dos seus fiéis. Ao mesmo tempo observei que algumas palavras já não faziam sentido para aqueles jovens.
O livro “Sobre o céu e a terra” apresenta um diálogo entre o então cardeal Jorge Bergoglio (Papa Francisco) e o rabino Abraham Skorka. Quanto ao capítulo que se refere à oração, Skorka foi claro: “A oração tem que ser um ato de profunda introspecção, cada um deve encontrar a si mesmo e começar a falar com Deus”, enquanto que o Bergoglio assinalava: “Orar é um ato de liberdade. Mas, às vezes, surge uma tentativa de controlar a oração, que é a mesma coisa que tentar controlar Deus”. Orar segundo o estilo de Jesus, não se resume a formulação de jargões, com frases de efeito bem construídas, mas, uma aproximação simples, discreta, em comunidade ou no silêncio do “quarto”, quando feita de coração.

CHAMANDO DEUS DE PAI
“Vocês, orem assim: ‘Pai nosso, que estás nos céus!”
A primeira informação que encontramos na oração de Jesus diz respeito à face paterna de Deus; diferente de todos os outros deuses, criados pelos homens, Deus não é um deus que se mantém distante numa relação fria com seus fiéis; a maneira como Jesus percebe Deus é chamando-lhe de Pai, assim, Jesus nos convida a esse novo tipo de relação. Deus é Pai. E se podemos chamá-lo de Pai é porque primeiro, Ele nos vê como filhos.
Existe um relacionamento que excede a relação ente um deus e seus fiéis, o relacionamento de amor entre Pai e filho.
Essa expressão “Abba” indica a intimidade de um filho com seu pai. Chamar a Deus de Pai é uma exclusividade de Jesus e seus discípulos.

A ORAÇÃO COMUNITÁRIA
Mas observe que o Pai é nosso, a oração de Jesus é comunitária e da mesma forma devemos repartir esse Pai com o nosso próximo. Quando oramos em comunhão “Pai nosso” estamos afirmando que todos fazem parte de uma mesma família. Foi justamente isso que Jesus desejou para os seus discípulos, “uma grande rede de relacionamentos intra-familiares”.
Na oração de Jesus, quando o “Pai é nosso” aprendemos que somos todos irmãos e que o perdão deve ser a marca dos filhos de Deus. Ele é o Pai Nosso, o mesmo Pai do irmão que você cortou relacionamentos. É estranho orar ao Pai Nosso e manter a mágoa entre irmãos, diante do Pai.
A oração do PAI NOSSO, expressa ao mesmo tempo a comunhão e o amor ao próximo.
Jesus coloca a oração do Pai Nosso na primeira pessoa do plural onde a pessoa é disciplinada a sair do individualismo, do seu mundo fechado e abrir-se para novos horizontes de relacionamento.
“Que estás no céu” Jesus, agora está situando esse Pai em uma outra dimensão em oposição à nossa. Deus é um Pai que está no céu, nós somos filhos que estamos na terra. Ele não é um ídolo terreno; Ele é transcendente; todo-poderoso. Ele está em um lugar acessível que é o céu, quando oramos. Quando oramos o céu vem a nós. E a maneira que temos de compensar essa distância de dimensão (entre céu e terra) é chamando-lhe de Pai.
A dimensão do céu é onde a vontade do Pai é feita.

“santificado seja o teu nome”, a natureza de Deus é santa, a nossa é pecadora. E só podemos nos aproximar de um Deus Santo, sendo nós, ainda pecadores, porque o Filho nos inclui nessa família (João 1.12). E porque o Pai é Santo e Santo é o seu nome, implica que devemos viver de uma maneira tal que Sua Santidade se manifeste em Seus filhos.

CLAMANDO PELO REINO
Quando oramos “venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu”, clamamos por uma intervenção de Deus na história. E que a realidade do céu, onde a vontade de Deus é feita se concretize entre nós. Que o governo de Deus seja real entre os homens, porque aqui na terra, a vontade de Deus não é feita como no céu.
Discípulo de Jesus é aquele que reconhece a injustiça humana como não sendo a vontade de Deus e ora para que Deus faça sua justiça nesse mundo injustiçado. É quando acumulamos bens para enriquecimento próprio enquanto existem pessoas que nada tem. O Pastor Neil Barreto afirmou no Congresso Missão na Íntegra/2013 que “Você não é abençoado pela quantidade de coisas que consegue ter, mas pela quantidade das coisas que consegue repartir.” Essa é a dimensão do Reino de Deus, a descentralização. Gastar R$1.000 (mil reais) com um cachorro numa clínica veterinária e não contribuir com R$100 (cem reais) para o exame médico de uma mulher grávida que aguarda a consulta na fila do SUS, é desumano. É a maioria pobre cada vez mais pobre sendo oprimida por uma minoria de uma classe cada vez mais rica.
Orar “venha o teu reino, seja feita a tua vontade” é chamar a responsabilidade para os discípulos de Jesus sinalizando a presença do Reino de Deus neste mundo, sendo sal da terra e luz do mundo. Orar “venha o teu reino, seja feita a tua vontade” é priorizar os interesses desse Rei, é a contramão da oração feita pelo próprio ego, é tirar o “eu” da oração e colocar o “nosso”.

O PÃO NOSSO
Por isso Jesus nos ensina a orar “O pão nosso”. A comunidade de Jesus é a comunidade que reparte o pão. Que enxerga a necessidade do próximo como sua. Pão é necessidade básica, devemos clamar em comunidade pelo básico da sobrevivência humana disponível a todos.
“O pão nosso passa a ser um problema da nossa falta de espiritualidade, quando o outro não tem pão [...] O Pai nosso também é a oração pelo pão de cada dia do outro”
Mas também clamar a Deus pelo “pão nosso” é clamar o próprio Cristo. “Eu sou o pão da vida” (João 6.35). Pão físico e espiritual.

O PERDÃO
“E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como também temos perdoado aos nossos devedores”. Lucas fala de ofensas, enquanto que Mateus (cobrador de impostos) faz referência a nossas dívidas. Só estamos autorizados a orar “e perdoa-nos as nossas dívidas” (as nossas faltas) quando primeiro perdoamos nossos devedores. “Assim como também”. Em outras palavras, perdoa-me Senhor, da mesma forma como tenho perdoado. A minha ação de perdoar antecede o meu pedido. Porque perdôo, posso orar me perdoa também, “assim como” ou seja, do mesmo modo.
O discípulo de Jesus que ora “e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como também temos perdoado aos nossos devedores” libera o perdão porque entende primeiro que foi perdoado e uma vez perdoado ele libera o perdão. Perdoar alguém é o que eu faço porque também fui perdoado por Deus. Observe a relação do versículo 12 com o versículo 14-15: “Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará; se, porém, não perdoardes aos homens, tampouco vosso Pai perdoará vossas ofensas”. Stott esclarece essa tensão de sermos perdoados se somente perdoarmos, sua reflexão é a seguinte: “Isto certamente não significa que o perdão que concedemos aos outros garante-nos o direito de sermos perdoados. Antes, Deus perdoa somente o arrependido, e uma das principais evidências do verdadeiro arrependimento é um espírito perdoador”.
“Pedir perdão e perdoar é uma vocação dos discípulos de Jesus. É a vocação da libertação plena”.

A TENTAÇÃO
“E não nos deixes entrar em tentação; mas livra-nos do mal” A tentação é uma realidade na vida dos discípulos de Jesus. O próprio Mestre foi tentado. Se Cristo nos ensina a orar para que não caiamos em tentação é porque o Pai deseja preservar o filho. O Pai tem zelo pelo filho e se preocupa com o filho. Clamar a Deus, “e não nos deixes entrar em tentação” é reconhecer que além de estarmos vulneráveis aos ataques do maligno, somos tentados o tempo todo. E que a tentação muitas vezes não é algo que está fora do sujeito que ora, mas dentro dele. Tiago vai dizer que “cada um é tentado quando atraído e seduzido por seu próprio desejo”. (1.14).
“Mas livra-nos do mal”. Devemos nos sustentar nessa palavra. Estamos protegidos do maligno. João escreveu em sua primeira carta: “Sabemos que toca aquele que é nascido de Deus não está no pecado; aquele que nasceu de Deus o protege, e o maligno não o atinge”. (5.18). Mas também somos orientados pelo Apóstolo Paulo a nos afastar “de toda forma de mal” (I Tessalonicenses 5.22).

“... Porque teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém”.

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